As informações, coletadas com as secretarias de Segurança Pública dos estados, foram analisadas a partir das médias anuais de assassinatos no período entre 2019 e 2021. Os pesquisadores consideram como “mortes violentas intencionais” todas as ocorrências registradas de homicídios, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte, feminicídios, homicídios de policiais e mortes por intervenções policiais.
O município de São João do Jaguaribe, no Ceará, com 224 mortes violentas a cada 100 mil habitantes, ocupa o primeiro lugar entre as mais violentas do país. Entre os 30 municípios mais violentos não há nenhum das regiões Sul e Sudeste (veja o ranking abaixo).
Entre as cidades mais violentas do país está Jacareacanga, no Pará, que ocupa o segundo lugar do ranking, com 199,2 mortes violentas intencionais a cada 100 mil habitantes. Também na Amazônia Legal, Santa Luzia D’Oeste e São Felipe D’Oeste, em Rondônia, ocupam o quarto e quinto lugar respectivamente.
A taxa desproporcional de mortes nessas cidades da Amazônia Legal alerta os autores por ser um reflexo do crescimento de diversas categorias do crime organizado: o tráfico de drogas, o desmatamento e o garimpo. Mesmo ao considerar toda a região, que ocupa quase 60% do território brasileiro, a média de casos é de 30,9 — 38% maior do que a nacional, de 22,4.
“O que tem acontecido recentemente é uma intensificação da sobreposição dos crimes ambientais — que já ocorriam na região — com outras modalidades criminosas mais organizadas. Essa sobreposição tem provocado o crescimento da violência nesses municípíos com característica rural ou florestal”, explica o sociólogo David Marques, um dos coordenadores do Anuário.
Neste mês, a violência causada por esses criminosos gerou comoção nacional e internacional, com o assassinato do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira por uma quadrilha de pescadores ilegais no Vale do Javari, no Amazonas.
Marques também aponta os conflitos fundiários como um dos grandes responsáveis pelo problema e cita que 77% das 403 mortes envolvendo disputa de terras no Brasil aconteceram na região da Amazônia Legal nos últimos dez anos, segundo a Comissão Pastoral da Terra.
“É uma região na qual ainda perdura um certo caos fundiário. Tem uma grande proporção de terras que são da União, áreas de preservação especial — como unidades de conservação, ou terras indígenas e quilombolas. E tem uma grande proporção de terras ainda em destinação. É uma área geograficamente muito grande, com uma capacidade de fiscalização muito baixa por parte do poder público.”
A Amazônia Legal também engloba importantes disputas do tráfico de drogas pelas principais rotas nacionais e internacionais de transporte das substâncias. De acordo com o Anuário, 20 facções criminosas regionais e as duas maiores do país (Primeiro Comando da Capital e Comando Vermelho) estão em conflito na área. Reportagem especial da Record TV apontou que o Amapá, estado mais violento do Brasil de acordo com o estudo, é o único onde facções locais disputam o controle em pé de igualdade com o PCC e o CV.
Queda na taxa de homicídios
Para especialistas, os resultados do estudo indicam uma tendência geral da “interiorização” da violência no Brasil, que tem se acentuado nas últimas décadas, e a mudança do centro do problema do Sudeste para as regiões Norte e Nordeste.
Essa migração entre as regiões acompanhou a dinâmica das facções criminosas, como ocorre agora na Amazônia Legal. Há 30 anos, a violência escalava a partir do nascimento e estabelecimento do Comando Vermelho e do PCC como os grupos dominantes nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, respectivamente.
“As regiões Norte e Nordeste são mais violentas do que o resto do país, com exceção talvez do Rio de Janeiro, como cidade grande. Mas têm [mais violência] sim, infelizmente, porque tem um predomínio muito forte de facções criminosas nesses lugares”, explica outro autor do Anuário, o pesquisador Rafael Alcadipani.
Além da atuação desses grupos, a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, cita diversos fatores que fizeram as mortes diminuírem no Sudeste: novas políticas públicas de gestão dos resultados, reformas das estruturas policiais, investimentos federais, o investimento estadual em delegacias com capacidade de esclarecer homicídios e a retirada de armas de circulação.
Apesar da piora da violência nas cidades menores, o cenário nacional tem melhoras a curto prazo. O número de mortes violentas no Brasil caiu de 50.448 ocorrências em 2020 para 47.503 no ano seguinte. Com a redução, a taxa se aproximou do melhor ano da série histórica do Anuário, que foi 2011, com 47.215 assassinatos.