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Saúde

Brasil – Sem-teto passou a noite na calçada em SP e morreu ao ir tomar café

Após noite mais fria dos últimos 32 anos para o mês de maio, companheiros e acolhedores contam que morador passou noite fora de abrigo, mas morreu ao chegar para tomar café da manhã.

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Leonardo Oliveira disse que encontrava a vítima diariamente no horário do almoço — Foto: BBC

Leonardo Oliveira disse que encontrava a vítima diariamente no horário do almoço — Foto: BBC

Com frio e fome, Isaías de Faria, de 66 anos, chegou ao centro de convivência São Martinho de Lima, na zona leste de São Paulo, na manhã desta quarta-feira (18/05).

Ele passou por uma triagem e pegou uma senha para tomar um café da manhã distribuído diariamente no local, por volta das 8h. Mas ele teve uma convulsão, caiu e morreu antes de fazer a refeição.

Três horas depois, o corpo permanecia no local, isolado por algumas fitas e coberto por um lençol branco, ao lado de um chapéu e da mochila da vítima.

Isaías era velado pelos olhares cabisbaixos de dezenas de moradores de rua que aguardavam ser chamados para o almoço que também é oferecido de graça no local.

As testemunhas que viram o momento em que Isaías morreu disseram que ele só estava vestido com uma blusa fina e tinha sinais de hipotermia, como dificuldades para se movimentar ou falar.

Procurada, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo informou que “o caso foi registrado como morte suspeita pelo 8º Distrito Policial. Foi solicitado exame necroscópico da vítima para esclarecer todas as circunstâncias relacionadas ao fato”.

A BBC News Brasil foi às ruas do centro e da zona leste da capital paulista para conversar com pessoas próximas a Isaías e outros moradores de rua para entender como eles se preparam para as noites mais frias do ano. O inverno no Brasil começa oficialmente daqui um mês, no dia 21 de junho.

‘Não sentiu dor’

Sentado numa cadeira de plástico, ao lado do corpo, Leonardo Oliveira mora nas ruas e disse que encontrava Isaías diariamente durante o almoço. Ele contou ter presenciado o momento em que o companheiro morreu.

“Quando eu cheguei, ele estava um pouco atrás de mim. Ele pegou a fichinha (para tomar café), foi ao banheiro, depois voltou, ficou um pouco perto da porta e caiu no chão. Não sentiu dor. Nem se mexeu. Do jeito que caiu, ele ficou. Depois, colocaram ele de lado, tentaram socorrer, mas não adiantou”, disse à reportagem.

Oliveira conta que passou a última noite na rodoviária do Tietê, para tentar se proteger do frio. Questionado, ele disse que não tem medo de morrer, mas sente a morte do morador de rua.

“Sinto tristeza. Ele é um irmão. Todo mundo é irmão. Alguns mais diferentes dos outros, mas todos irmãos”, afirmou.

O padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua em São Paulo, disse que a vítima dormiu na calçada antes de ir até o centro de convivência.

“Pelo que sabemos da história dele, ele tinha um quartinho para dormir. O que acontece muitas vezes com as pessoas é que elas têm que escolher entre dormir e comer. E muitas vezes ele vinha comer na comunidade. E, para não ficar sozinho, acaba ficando na rua junto com os outros e acaba correndo esse risco”, afirmou.

O padre conta que ele pode ter sofrido um choque térmico logo que entrou no local para tomar café da manhã.

“Ele só fez o registro, caminhou dez passos e caiu. Os sinais vitais dele pararam. Veio a equipe médica para ver os sinais vitais e tentar reaquecê-lo. Quando o resgate chegou, ele já estava morto”, contou Júlio Lancellotti.

Instantes depois, outro homem apresentou estado de hipotermia no mesmo centro de convivência, mas foi socorrido a tempo.

Em um vídeo publicado no Instagram do próprio padre, é possível ver diversas pessoas tentando reanimar a vítima, que estava quase imóvel.

Ele reagiu e ficou bem logo depois de ser enrolado numa manta térmica e receber bebidas quentes.

“Foi muito complicado reaquecê-lo”, diz o padre.

Abrigo

 

Muitos moradores de rua se negam a pernoitar em abrigos oferecidos pela prefeitura. O padre Júlio explica que isso ocorre por diversos motivos.

“Uma das questões é a burocracia, a institucionalização e a tutela do poder público. (Ao aceitar o abrigo), o morador de rua perde completamente a liberdade e passa a ser uma pessoa tutelada. Mas nem todos aceitam isso. Também tem questões de relacionamento”, afirmou o padre.

Ele citou como comparação a dificuldade que muitas pessoas tiveram para ficar dentro de suas próprias casas durante as restrições estabelecidas para conter a pandemia da covid-19.

“Com todo o conforto de suas casas, as pessoas não quiseram ficar fechadas e nós queremos que os moradores vivam num lockdown permanente”, afirmou.

A vendedora Aline Belo Rocha, de 22 anos, começou a morar na rua há dez anos, desde que o pai dela morreu.

Hoje, ela vive em uma barraca em frente à Prefeitura de São Paulo, mas se nega ir para albergues por conta do tratamento que disse ter recebido nas três vezes que aceitou ser acolhida.

“Tem muito desrespeito e às vezes levam a gente para muito longe. Na última, me deixaram na Barra Funda e tive de voltar a pé para o centro”, contou à reportagem.

Para amenizar o frio, ela disse que cobre a tenda com uma lona e forra a parte interna com cobertores.

O garçom Rulian Amorim, de 34 anos, vive sozinho nas ruas do centro da cidade mais rica da América Latina. A proteção dele contra o frio é um pedaço de papelão, um plástico preto e um cobertor.

“Eu já vi gente morrer de tudo quanto é jeito aqui”, afirmou.

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