Saúde
Gêmeas siamesas do Ceará detalham rotina nas redes sociais após cirurgia de separação que durou 12 horas
Ruth Pereira de Lima e Ruthiellen Pereira de Lima já compartilharam o mesmo aparelho urinário, reprodutor e digestivo, mas fizeram cirurgia de separação com um ano de idade. Ao g1, falaram sobre saúde, autoestima, rotina e planos para o futuro.
Gêmeas siamesas do Ceará foram separadas com um ano de idade. — Foto: Arquivo pessoal
Ruth Pereira de Lima e Ruthiellen Pereira de Lima nasceram ligadas pelo abdome. As gêmeas siamesas são de Fortaleza e já compartilharam o mesmo aparelho urinário, reprodutor e digestivo.
Hoje, aos 21 anos, as duas têm ganhado a internet compartilhando a rotina após a separação, que aconteceu quando ainda eram pequenas. O dia a dia se divide entre cuidar da casa, tomar cuidados específicos com a saúde, cantar, gravar vídeos, namorar e, claro, tecer novos sonhos.
Como a cirurgia de separação das gêmeas siamesas aconteceu quando elas tinham um ano de idade, não há lembranças, além das fotos, sobre o tempo em que eram conectadas. O procedimento durou 12 horas. Ruthiellen, a digital influencer da dupla, relata que o começo foi difícil, especialmente em relação aos pais.
“Meus pais eram muito novos. Começaram a namorar e com três meses, minha mãe engravidou. No começo, ela achava que seriam gêmeos ‘normais’ (aqui, Ellen se refere à questão de saúde). Quando o médico falou que eram gêmeos siameses, minha mãe, muito nova, não sabia o que era. Quando a gente nasceu, ela teve depressão pós-parto. Minha avó cuidou da gente até um ano”, explicou ao g1.
Foi com essa idade que as meninas viajaram até São Paulo para fazer o procedimento de separação, onde ficaram por seis meses.
Hoje, a família tem uma ótima relação, segundo as meninas, e os assuntos foram superados. Com o passar do tempo, a mãe e as duas meninas conseguiram se conectar. “Ela começou a amar a gente, querer cuidar. Minha mãe sempre deixou claro o que aconteceu. Nossos pais nunca usaram a palavra ‘deficiente’. A gente não fica triste (com toda a situação)”, aponta Ruthiellen.
As duas tentam ter uma rotina normal. Ruthiellen, que é casada e mora com o esposo e a sogra, se dedica ao trabalho nas redes sociais. Ela consegue fazer com tranquilidade algumas demandas domésticas, como lavar a louça, varrer a casa e até lidar com as roupas. O que não pode, por questões de segurança, é mexer com o fogão e lavar o banheiro, pelo perigo de escorregar. A jovem usa uma prótese no membro inferior para ajudar.
“Sou uma pessoa muito organizada, gosto de tudo arrumadinho. Não me limito pela minha deficiência. As coisas básicas eu faço. Desde que minha mãe começou a trabalhar, eu ficava com a Rutinha”, acrescentou.
Ruth precisa de cuidados mais específicos, já que passa a maior parte do dia deitada. Desde 2015 ela usa uma bolsa de colostomia após uma cirurgia que fez para tratar uma fístula (espécie de anomalia entre estruturas do corpo).
“A Rutinha usa muita fralda, então acaba tendo mais gastos. Meu pai ajuda, mas mesmo assim ela precisa das fraldas, gases, soro. Mas, minha irmã está bem. Do jeitinho dela, mas está bem. A bolsa de colostomia dela não gruda direito, por isso que ela fica mais deitada”, explicou Ellen.
Preconceito
Com criatividade, as duas criam conteúdos para a internet — Foto: Arquivo pessoal
As duas têm usado as redes sociais como um canal de comunicação com o público curioso sobre a rotina delas. Ruthiellen, inclusive, recebe diversas perguntas, às vezes até indiscretas, e aproveita seu alcance para gravar vídeos do dia a dia.
Ruth, que sonha em fazer faculdade de psicologia e gosta de cantar, é mais reservada. No Instagram, ela solta a voz em canções de louvor.
Foi assim, de forma despretensiosa, que Ruthiellen gravou o primeiro vídeo respondendo como foi a separação das siamesas.
“Nossa História” tem mais de 190 mil visualizações. No canal das duas no YouTube, elas tratam de temas sobre saúde e também dão dicas de beleza. Infelizmente, as duas ainda sofrem preconceitos.
“Tem pessoas muito maldosas, já li vários comentários, mas eu prefiro filtrar, porque machuca. Já falaram que o Moisés (seu marido) vai ficar insatisfeito, porque não sou uma mulher completa. Fico chateada na hora, mas depois relevo”, pontuou Ruthiellen.
Dos conteúdos que gravam, dizem que o público tem maior curiosidade por assunto mais íntimos, como sexo. Quando as perguntas são feitas de forma tranquila, elas até respondem o questionamento, mas deixam claro que algumas perguntas são muito pesadas:
“A pergunta mais bizarra foi sobre minha sexualidade. Sou bissexual, e meu marido também, mas temos um relacionamento fechado”, diz Ruthiellen.
Sobre sexo, ela também logo elucida, mas sem esticar o assunto: “Sim, dá para fazer, é normal”.
Nenhuma das duas quer ter filhos. Ruth gosta de crianças, mas prefere não arriscar sua saúde. “Não me vejo mãe, é uma coisa minha. Mesmo que eu pudesse ter filhos, não iria querer”, respondeu.
Ellen diz que, apesar de suas limitações, ainda quer conhecer o mundo, viajar, fazer coisas diferentes – e precisa estar mais livre para isso.
Autoestima e representatividade
As gêmeas siamesas falam sobre autoestima e representatividade. — Foto: Arquivo pessoal
Para lidar com os preconceitos e críticas, as duas também precisaram desenvolver um processo muito próprio de autoestima. O comentário de que “não seria uma mulher completa” ainda dói em Ellen, mas já foi pior no período da adolescência.
“Não vou ficar chorando por uma coisa que não vou ter. Eu não vou ter uma perna. Meu corpo vai ser assim para sempre. Me perguntaram se eu tivesse dinheiro, mudaria meu corpo: eu não mudaria, porque além de eu ser assim, tenho uma história. Minhas cicatrizes são minha história. Costumo olhar para minhas fotos e ver qualidade no meu corpo e não defeitos “, desabafou Ruthiellen.
Ruth, com orgulho, também diz que se aceita do jeito que é – o que já foi diferente. Há alguns anos, a jovem olhava com pesar seu problema de escoliose, mas “por outro lado, eu sou perfeita aos olhos de Deus e não aos olhos do homem”, disse.
Ruth e Ruthiellen veem na comunicação uma maneira de transformar o debate sobre gêmeos siameses. E nada de recusar fama. Elas querem ir para podcasts, gravar entrevistas, ministrar palestras e tudo o mais que as coloquem diante do público.
“Tem muitas pessoas que sofrem depressão, ansiedade, que acham que a vida não vale a pena. Eu e Ruth temos a absoluta convicção de que viemos aqui para mostrar para as pessoas um outro olhar sobre a vida”, concluiu a influencer.
Também do Ceará, outro caso de gêmeas siamesas que chamou atenção foi o de Maria Ysabelle e Maria Ysadora, em 2018. As duas nasceram unidas pela cabeça e fizeram a cirurgia de separação em São Paulo.
Fonte: Portal G1
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